Quando se analisa o patrimônio
das empresas, é fácil perceber que parte considerável do valor delas é composto
por bens intangíveis, como patentes, marcas e conhecimento exclusivo da
empresa. Tais criações intelectuais são objeto de direito de propriedade, de
forma a assegurar ao criador a exclusividade da utilização de seu trabalho por
pelo menos um determinado período de tempo, garantindo a ele reconhecimento e
benefícios financeiros.
Os
principais produtos intelectuais protegidos por lei são as patentes (patents), as marcas (trademarks) e os direitos
autorais (copyrights).
As duas primeiras estão disciplinadas no Brasil por meio da Lei nº 9.279, de
1996. Os direitos autorais são tratados na Lei nº 9.610, de 1998.
A marca, entendida como “sinais distintivos visualmente
perceptíveis”, está disciplinada a partir do artigo 122 da Lei nº 9.279. Podem
ser protegidas, por exemplo, marcas de produtos, serviços ou certificações.
Os direitos autorais se aplicam a obras tais como textos de
obras literárias, obras dramáticas, composições musicais, obras de desenho ou
programas de computador (a relação completa está no artigo 7º da Lei nº 9.610).
A patente, objeto deste texto, é concedida ao autor de invenção
ou modelo de utilidade. Conforme artigos 8º e 9º da Lei nº 9.279, são
patenteáveis a invenção “que atenda aos requisitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial” e o modelo de utilidade que seja “objeto de
uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente
nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria
funcional no seu uso ou em sua fabricação”.
Atualmente, o prazo de vigência de uma patente é regulado pelo
art. 40 da Lei nº 9.279, que dispõe que a “patente de invenção vigorará pelo
prazo de 20 anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos
contados da data de depósito”. Cabe ao INPI – Instituto Nacional da Propriedade
Industrial, autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, fazer a concessão de novas patentes.
A questão que se faz é: por que deve haver proteção às criações
intelectuais? Afinal, ao conceder o direito de propriedade, mesmo que por um
determinado tempo, o que se está fazendo é garantir poder de mercado ao autor
da criação, ou seja, criou-se um monopólio que tem sustentação legal.
Menell e Scotchmer (2007) explicam que a principal justificação
para a propriedade intelectual nasce de um problema econômico: uma falha de
mercado que impede o oferecimento de um nível eficiente de inovação.
Em outras palavras, o conhecimento que gera inovação tem as
características de um bem público, ou seja, é indivisível, porque o consumo do
conhecimento por parte de um indivíduo ou de um grupo social não prejudica o
consumo deste mesmo conhecimento pelos demais integrantes da sociedade, e é
não-excludente, porque é difícil impedir que outro indivíduo usufrua do
conhecimento.
Isso faz com que o custo marginal para um novo usuário de um
determinado conhecimento tenda a zero, o que inviabiliza para o criador da
inovação a apropriação de lucro, uma vez que o conhecimento está disponível sem
custo para todos que queiram utilizá-lo. Essa situação acaba com os incentivos
para os agentes investirem em novos conhecimentos. Para resolver essa falha de
mercado, criou-se a patente, que é um monopólio jurídico temporário para quem
criar uma inovação, garantindo ao autor da invenção condição de obter retorno
para os recursos investidos no processo de geração da nova tecnologia. A
patente permite que o conhecimento deixe de ser um bem público e ganhe
características de um bem privado. (Dosi, Marengo e Pasquali, 2007).
Sem direitos de propriedade sobre a inovação, o inventor
tenderia a manter seu trabalho em segredo, de forma a tentar lucrar com aquilo,
antes que o público se apropriasse de sua ideia. Com direitos de propriedade claros
e efetivos, o inventor não terá medo que sua ideia seja roubada. Podendo
disseminar seu trabalho, com o devido retorno financeiro pela sua utilização
por terceiros, o inovador contribui com um processo dinâmico que propiciará
mais inovação.
Esse
mesmo raciocínio se aplica ao inovador que precisa de capital para desenvolver
sua ideia. Na ausência de patentes, o inovador teria receio de apresentar sua
ideia a um financiador, com medo de que sua ideia fosse roubada. Por outro
lado, o financiador, por não conhecer o projeto, também tem receio de aplicar
seu dinheiro em algo que não conhecesse. Esse dilema foi descrito na literatura
da Análise Econômica do Direito (Cooter e Schäfer, 2012) como the
double trust dilemma of innovation.
No entanto, nem tudo é perfeito. A criação de uma patente, como
todo monopólio, traz uma ineficiência embutida. O inventor, por ter poder de
mercado, pode colocar o preço para a utilização de seu produto em um valor bem
acima do ótimo social. Na prática, isso significa que a inovação será
disseminada, mas não tanto quanto poderia ser.
Conforme explicam Cooter e Ullen (2012), a calibragem do efeito
do monopólio conferido pela patente é feita por meio de duas variáveis: a
duração da patente; e a maior ou menor amplitude do que se entende por
novidade, o que tem reflexo na concessão de uma nova patente.
Imagine duas invenções próximas, mas não totalmente iguais. Se
as regras de concessão de patentes forem bem restritas, no sentido de que é
difícil comprovar uma novidade, a primeira invenção (a que conseguir a patente
primeiro) abarcará os direitos de ambas as novidades. Isso significa que o
incentivo dado é para a velocidade, ganha tudo quem conseguir primeiro criar
uma invenção.
Já uma regra maleável, que permite facilmente classificar um
invento como uma novidade, faria com que cada invenção no exemplo acima
recebesse uma patente. Dessa forma, os lucros seriam divididos. O incentivo
nesse caso é para a existência de pesquisas complementares, cada uma a seu
tempo.
Relativamente
à duração da patente, uma vez que esse instrumento legal cria um monopólio
temporário, a pergunta que surge é: qual o tempo correto para a duração de uma
patente de forma a gerar mais bem-estar para a sociedade? O trade-off envolve a disputa entre criatividade e
disseminação.
À medida que a duração da patente aumenta, a sociedade se
beneficia da inovação, mas esse benefício marginal diminui com o incremento
dessa duração. Pelo lado dos custos, quanto maior a duração, mais custos
sociais existirão por conta na diminuição da disseminação de ideias. A resposta
da sociedade a longas patentes vem com a canalização de esforços para a
descoberta de substitutos.
Na igualdade de benefício marginal com custo marginal, temos o
que seria a duração ideal de uma patente. Obviamente não é nada prático
estabelecer uma duração distinta para cada área de conhecimento ou cada tipo de
inovação. O tempo de 20 anos estabelecido pela lei brasileira aplica-se a todas
as invenções e é o mesmo tempo praticado por vários países.
Feita essa introdução à Economia da Propriedade Intelectual,
pode-se começar a discorrer sobre diversos embates e discussões que a área
propicia, inclusive em questões internacionais. No entanto, deixamos essa
extensão para um futuro texto.
Fernando Meneguin - Doutor em Economia. Consultor-Geral Adjunto/Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal.