O sistema de governo do Brasil pós-Constituição de 1988
foi arquitetado para combinar o presidencialismo com o pluripartidarismo, o que
veio a ser intitulado por Sérgio Abranches de presidencialismo de coalizão
(ABRANCHES, 1988). Em face dessa combinação, o alcance de maiorias estáveis no
Parlamento seria extremamente difícil e custoso. Outrossim, a desvinculação
entre eleições presidenciais e parlamentares possibilitaria a estruturação de
um sistema representativo de origens distintas, necessitando, consequentemente,
da formação de coalizões para alcançar a governabilidade, articuladas por meio
da troca de cargos no governo e de emendas parlamentares por apoio político na
aprovação de projetos legislativos de interesse nacional encabeçados pelo
Executivo (ABRANCHES, 1988). Para que o
Presidente não sucumbisse à barganha dos parlamentares, foram dados a ele
muitos poderes constitucionais, ao ponto de alguns defenderem a preponderância
do Poder Executivo no quadro de separação de Poderes.
Sérgio Abranches (1988) acreditava que esse sistema
estava fadado ao insucesso, por essa extrema dificuldade de formar maiorias
estáveis. Em primeiro lugar, porque o comportamento irresponsável dos
parlamentares geraria poucos incentivos para que eles cooperassem com o
Presidente, assim como esse se isolaria do apoio do Parlamento, por crer no
grande poder popular nele depositado. Em segundo lugar, a disciplina partidária
não seria eficaz, já que a legislação eleitoral brasileira conteria fortes
incentivos para o comportamento individualista dos parlamentares (maximização
das suas chances de reeleição). Em terceiro lugar, uma coalizão partidária
careceria da principal arma que garante seu funcionamento no parlamentarismo: a
ameaça de dissolução. Enfim, haveria uma política de oposição cega, que
relutaria muito em fazer qualquer coisa que poderia ajudar o governo a ser
bem-sucedido.
Em contraposição a essas ideias, Fernando Limongi e
Argelina Figueiredo (1998) defendem que o presidencialismo de coalizão não leva
necessariamente à ingovernabilidade e à paralisia. Isso porque, no Brasil, esse
sistema encontraria estabilidade e sucesso na governabilidade, por meio da
interdependência entre a preponderância legislativa do Executivo,do padrão
centralizado de trabalhos legislativos e a da disciplina partidária. Sua teoria
foi corroborada por dados de 1988 a 1995, o que também se observou de forma
clara no governo dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula
da Silva (ALSTON, MUELLER, 2010).
Contudo, no decorrer dos mandatos da presidente Dilma
Rousseff, essa capacidade de estruturar as coalizões foi se reduzindo e as
características autodestrutivas do presidencialismo de coalizão, narradas por
Abranches, vêm se sobressaindo. O alto grau de heterogeneidade ideológica e o
fracionamento político-partidário decorrentes da proliferação de partidos, a
alta propensão de conflitos de interesse em razão das clivagens sociais, a
tradição presidencialista e proporcional, o insuficiente quadro institucional
para resolução de conflitos somado à inexistência de mecanismos institucionais
de destituição de governos ilegítimos são alguns dos fatores do atual sistema
político-partidário que se conjugam para desencadear a atual crise (VICTOR,
2015).
Além disso, o sistema proporcional para eleição dos
deputados incentiva o aumento vertiginoso de partidos acompanhado pela formação
de coligações sem similaridades ideológicas; o modelo de lista aberta gera
maior tendência de personificação do voto, enfraquecendo os partidos e
convolando-se em competição intrapartidária, além de “puxar” candidatos com
perfil oposto ao desejado pelo eleitor (“efeito Tiririca”); a representação
desproporcional entre os estados na Câmara dos Deputados e o grande número de
cadeiras por estado despolitizam o eleitorado, aumentam os esforços de
personificação e diminuem o controle partidário; o fim da verticalização produz
incongruências ideológicas dentro da lógica do federalismo; enfim, campanhas
altamente individualistas incentivam a diferenciação, que muitas vezes é
alcançada por meio de troca de interesses particulares e clientelismo,
expandindo a influência do poder econômico (VICTOR, 2015).
Alguns estudiosos sugerem que deveria ser implantado no
País o sistema parlamentarista multipartidário, pelo fato de gerar instituições
mais duradouras e eficazes, uma vez que parceiros menores são membros
institucionais, negociando ministérios, o que permite que haja maiores
incentivos para cooperar. Por outro lado, quando o Presidente perde sua base de
apoio, pode ocorrer a queda do gabinete (chefe de governo) por voto de
desconfiança do Parlamento, o que gera maior responsabilidade por parte do
Chefe do Executivo. A dificuldade de destituir governos sem governabilidade no presidencialismo
gera altos custos políticos, econômicos e sociais pelo seu prolongamento. A
questão sobre a implantação do parlamentarismo no Brasil sempre retorna ao
debate em momentos de visível crise do presidencialismo, mas não se pode
calcular a instabilidade que aquele sistema pode gerar se seus institutos forem
mal utilizados por um Parlamento imaturo institucionalmente.
Passa-se de um presidencialismo de coalização para o de
cooptação (PESSÔA, 2015), em que as coalizões são formadas sem propósitos
ideológicos, mas apenas para manter o poder. Os acordos firmados perdem ao
longo do tempo seus objetivos de governabilidade, desdobrando-se em esquemas de
corrupção como o “Mensalão” ou o “Petrolão”, que apenas garantem uma recompensa
política em troca de apoio à base governista. O combate a mecanismos legais de
cooptação de parlamentares, como as emendas individuais e a distribuição dos
cargos no governo, apenas asseveram o uso de mecanismos ilegítimos, como a
corrupção (MENDES, DIAS, 2014). A excessiva fragmentação político-partidária
somente torna mais custosa essa barganha, sobretudo em governos em que não se
desenvolvem atitudes de liderança suficientes para centralizar esforços em prol
de objetivos nacionais.
A crise de representatividade é grave. A reforma política
exigida para superar tal crise parece estar acima da capacidade e da vontade
das lideranças políticas. Não parece haver ambiente para algum tipo de acordo
social que viabilize tal reforma. A crise econômica piora a situação ao agravar
os conflitos.
Os partidos políticos precisam retomar a sua proeminência
na condução da política brasileira, porque hoje estão sendo conduzidos
meramente por fatores externos, como a crise econômica e os escândalos de
corrupção da “lava-jato”. Enquanto isso não ocorre e a reforma política é feita
marginalmente para perpetuar interesses eleitorais dos seus autores, o
sentimento de conexão dos cidadãos com seus representantes diminui cada vez
mais, instalando um vácuo representativo que, caso não seja ocupado pelas
instituições legítimas, passa a ser alvo do Poder Judiciário, daí o avanço da
judicialização da política.
Por
Débora Costa Ferreira - Bacharelado em Economia pela Universidade de Brasília
(2014) e em Direito pelo UniCEUB (2014), Pós-Graduação em Direito Constitucional
pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (2015).