Por Luiz Ricardo Cavalcante*
Ambiente de negócios é o nome genericamente atribuído às condições que
circunscrevem, em um determinado país ou em uma determinada região, o ciclo de
vida das empresas. De uma forma geral, o ambiente de negócios diz respeito aos
níveis de complexidade associados, por exemplo, aos procedimentos de abertura e
fechamento de empresas ou de recolhimento de tributos. A melhoria do ambiente
de negócios está associada, portanto, a ações de simplificação e
desburocratização desses procedimentos. Em virtude de sua própria natureza, o
ambiente de negócios é uma variável de difícil mensuração. Ainda assim, o Banco
Mundial procura capturar aspectos relativos ao ambiente de negócios com base em
uma metodologia conhecida como Doing Business, que “mede, analisa e
compara as regulamentações aplicáveis às empresas e o seu cumprimento em 189
economias e cidades selecionadas nos níveis subnacional e regional”.
Esses indicadores são amplamente empregados por formuladores de
políticas para orientar ações de simplificação e desburocratização e por
empresários para avaliar os países ou regiões onde pretendem investir. Por essa
razão, é razoável assumir que há uma associação direta entre a qualidade do
ambiente de negócios e os níveis de investimento. Ao contribuírem para a
elevação do estoque de capital (total de máquinas, equipamentos e demais
instrumentos de produção), os investimentos, por sua vez, estão diretamente
associados à produtividade do trabalho (leia mais sobre produtividade neste
blog clicandoaqui, aqui ou aqui).
Dessa forma, há uma associação entre a qualidade do ambiente de negócios, os
níveis de investimento e a produtividade do trabalho.
Ainda que a associação proposta entre
a qualidade do ambiente de negócios, os níveis de investimento e a
produtividade do trabalho seja intuitiva e de difícil contestação, há escassas evidências
quantitativas sobre o tema, especialmente quando se trata de um modelo
sequencial dessa natureza. Neste trabalho, estimam-se os coeficientes que
relacionam ambiente de negócios, investimentos e produtividade com base em um
painel de dados referente a 81 países no período entre 2005 e 2011.
Um estudo estatístico (regressão)
buscou identificar as seguintes relações:
·
Como o ambiente de negócios afeta o estoque de capital da economia; e
·
Como o estoque de capital afeta a produtividade.
Em ambos os casos, outros fatores podem contribuir para explicar o
comportamento do estoque de capital e da produtividade. No primeiro caso, por
exemplo, fatores como renúncias fiscais e créditos subsidiados podem contribuir
para maiores níveis de investimentos e, portanto, para a elevação do estoque de
capital por trabalhador. No segundo caso, aspectos como qualificação da mão de
obra ou investimentos em P&D podem interferir no nível de produtividade
alcançado. Para levar em consideração o efeito das variáveis omitidas, no
exercício estatístico foram usadas técnicas que permitem a comparação dos
países antes e depois das alterações no ambiente de negócios isolando-se o
efeito de outras variáveis.1
A associação entre o ambiente de
negócios e o estoque de capital por trabalhador pode ser facilmente percebida
no gráfico 1 a seguir, para cuja elaboração se empregaram os dados referentes
aos 81 países que compõem a amostra durante o período entre 2005 e 2011.
Gráfico 1: ambiente de negócios e estoque de capital por trabalhador,
2005-2011
O gráfico evidencia que um melhor
ambiente de negócios, ao estimular o investimento, tende a exibir uma
correlação positiva com o estoque de capital por trabalhador. Em particular, o
Brasil exibe um estoque de capital por trabalhador superior ao que seria
predito por seu ambiente de negócios. Isso decorre de fatores idiossincráticos
do país (por exemplo, a presença de incentivos ao investimento por meio de
créditos subsidiados).
Com base no coeficiente estimado, pode-se simular o estoque de capital
por trabalhador no Brasil para diferentes valores assumidos pela variável que
mede a qualidade do ambiente de negócios. A título de ilustração, simulou-se o
crescimento percentual do estoque de capital por trabalhador se o Brasil tivesse,
em 2011, os níveis de Doing Business dos seguintes países:
Estados Unidos e Canadá (países desenvolvidos de grandes dimensões); China,
Índia, Rússia e África do Sul (que, juntamente com o Brasil, formam os BRICS) e
Argentina, México e Chile (latino-americanos de referência para o Brasil). Ainda
que esses resultados devam ser interpretados com cautela, os valores indicados
sugerem incrementos significativos na maioria dos casos. Esses incrementos são
da ordem de 80% se o Brasil alcançasse os níveis dos Estados Unidos e do
Canadá, superiores a 40% na comparação com o Chile e o México e não
desprezíveis na comparação com a maior parte dos BRICS e com a Argentina.
Esses dados não querem dizer que uma elevação súbita do Doing
Business no Brasil poderia motivar um crescimento imediato do estoque
de capital por trabalhador. De fato, um crescimento percentual de, por exemplo,
15% no estoque de capital por trabalhador (e, portanto, do estoque de capital
para um número fixo de pessoas ocupadas) implicaria um nível de investimentos,
em um único ano, de mais do que o dobro do que aquele efetivamente observado.
Na verdade, um melhor ambiente de negócios permite uma elevação cumulativa dos
investimentos. Para levar em conta esse aspecto, estimou-se a elevação
percentual anual dos investimentos requerida para que, em um intervalo bastante
longo (entre 1970 e 2011), o estoque de capital atingisse aquele estimado em
diferentes ambientes de negócios.
Considerando os valores observados em 2011, estimam-se incrementos
percentuais de cerca de 2% no investimento para cada ponto adicional de Doing
Business no Brasil. Apenas como ilustração, incrementos dessa natureza
podem ser comparados com a participação dos desembolsos do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na formação bruta de capital fixo (FBCF),
que alcançou, segundo estimativas do próprio banco, 15% em 2014. Um salto dessa
magnitude seria alcançado, de acordo com os coeficientes estimados, caso a
pontuação brasileira alcançasse, aproximadamente, 56,75 em 2011. Isso
significaria, naquela ocasião, um salto de cerca de trinta posições no ranking do Doing
Business, colocando o ambiente de negócios no país em um patamar semelhante
ao da China (57,77), por exemplo. Um incremento de 30% no total dos
investimentos requereria, por sua vez, que a pontuação brasileira alcançasse
63,41. Com isso, a posição relativa do país no ranking do Doing
Business subiria cerca de 70 posições, colocando o país em uma posição
inferior, porém próxima, à da Turquia (65,37) ou da Polônia (65,70), por
exemplo. Finalmente, caso o ambiente de negócios no Brasil alcançasse 69,41,
colocando o país em níveis próximos aos do México (71,03) ou do Chile (71,04),
o incremento percentual dos investimentos alcançaria 45%, correspondentes a
três vezes a participação dos desembolsos do BNDES nesse tipo de investimento
em 2014. Para isso, entretanto, seria preciso que o país subisse, naquela
ocasião, cerca de cem posições no ranking do Doing
Business.2
Os resultados de uma regressão para a
relação entre o estoque de capital por trabalhador e a produtividade do
trabalho indicam que o coeficiente é significativo a mais de 99% de confiança.
Assim, há uma forte relação estatística entre o estoque de capital e a
produtividade do trabalho. Os resultados mostram que uma elevação de 1,0% no
estoque de capital por trabalhador leva a um aumento de cerca de 0,5% na
produtividade do trabalho. Especificamente nas condições indicadas acima
(incrementos estimados de 15%, 30% e 45% nos investimentos, correspondentes a
elevações no estoque de capital por trabalhador de 13,45%, 26,90% e 40,35%),
estimam-se ganhos de produtividade de 6,58%, 12,78% e 18,67%, respectivamente.
Os resultados obtidos neste trabalho reafirmam que, ao lado de ações
voltadas para o incentivo ao investimento através de renúncias fiscais e de
créditos subsidiados, a melhoria do ambiente de negócios (que envolve custos
fiscais reduzidos) exerce um impacto significativo no nível de investimentos e
na produtividade do trabalho no país. Especialmente em um contexto de
restrições ao uso de renúncias fiscais e de créditos subsidiados como forma de
incentivar investimentos, será preciso identificar e remover as restrições
políticas e institucionais que se colocam para a melhoria do ambiente de
negócios no país. Preliminarmente, pode-se associar essas restrições aos
seguintes fatores: i) ausência de coordenação entre órgãos de
governo e entre entes federados (que colocam demandas muitas vezes repetitivas
para as empresas e tornam excessivamente complexas tarefas associadas, por
exemplo, à conformidade com a legislação tributária); ii) presença
de eventuais grupos de interesses que podem obter vantagens da complexidade do
ambiente de negócios no país; iii) incentivos para que os
servidores públicos adotem precauções para autorizar ações do setor produtivo
em virtude do risco de responsabilização; e iv) reduzido rule
of law, que induz à imposição de uma excessiva e rigorosa fiscalização ex
ante diante das escassas possibilidades de aplicação de sanções ex
post mais severas em caso de descumprimento de algum normativo. As
ações voltadas para a solução de problemas dessa natureza envolvem os poderes
executivo, legislativo e judiciário e podem, indiscutivelmente, concorrer para
a melhoria do ambiente de negócios no país.
1 As regressões foram feitas em painel com efeitos fixos. Essa opção
faz com que aspectos idiossincráticos de cada país invariantes no tempo sejam
capturados na regressão.
2 O salto de cerca de cem posições diz respeito ao ano de 2011 e aos
valores da distância até a fronteira calculados para aquele ano. Em 2015, as
posições do Brasil (120º) e do Chile (41º) são mais próximas.
Este texto corresponde a um extrato de CAVALCANTE, L. R. Ambiente de
negócios, investimentos e produtividade. In: DE NEGRI, F.; CAVALCANTE, L. R.
Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes. Brasília: Ipea, 2015. v. 2
(determinantes). O autor agradece os comentários e sugestões de Bruno César
Araújo, C. Alexandre A. Rocha, Fernanda De Negri, Lucas Ferreira Mation, Marcos
Mendes e Simone Uderman. Agradece também à equipe do Ipea com quem teve a
oportunidade de discutir uma versão preliminar deste trabalho. Erros e omissões
são de responsabilidade do autor.
*Luiz Ricardo Cavalcante - Consultor Legislativo do Senado Federal.