Por Fernando
B. Meneguin e Pedro Fernando Nery
A política sem romance. É assim que o Nobel James Buchanan
define a teoria da escolha racional, em que os políticos são racionais como os
consumidores da microeconomia: buscam a própria satisfação, atuando para
alcançar objetivos próprios, não necessariamente os da sociedade que os elegeu.
Esse entendimento é útil para uma análise econômica da reforma política, com
resultados pouco otimistas em relação às mudanças propostas.
Outro instrumento útil é a teoria econômica do crime, do
também Nobel Gary Becker. Por essa teoria, um criminoso pesa os ganhos e perdas
esperados com um crime antes de cometê-lo. Essa noção pode parecer sofisticada
para crimes comuns, mas é aceita para crimes de colarinho branco, associados à
política. Deltan Dallagnol, o procurador da Lava Jato, defende justamente que a
corrupção é um crime racional, sendo necessário para combatê-la aumentar seus
riscos.
Assim, a economia joga luz sobre as principais propostas de
reforma política, como o financiamento público de campanha. A proposta se
baseia na lógica que o custo das campanhas induz os políticos a se corromperem.
Empresários financiariam esses políticos com a expectativa de, ajudando a
elegê-los, serem favorecidos em um seu mandato.
Aos políticos restaria se renderem a essa dinâmica, sob risco de não se
elegerem.
Como o financiamento público afeta os incentivos dados ao
mau político e ao mau empresário? Os ganhos e perdas esperados de cada um são
alterados ao continuarem se valendo desse mecanismo, agora ilegal? Na teoria
dos jogos, essa dinâmica pode ser entendida como um jogo simultâneo, em que o
político e o empresário decidem se optam por aceitar ou fazer uma doação.
Por essa lógica, fica claro que as chances de mudanças
positivas com o financiamento público são pequenas, dando vazão a práticas como
o caixa-dois ou o soft money (financiamento indireto). Se a votação de um
candidato é de fato dependente dos seus gastos, o payoff da doação ilegal será altíssimo:
no financiamento público, na margem, recursos adicionais seriam essenciais para
o candidato. Esse ganho esperado seria maior do que sem o financiamento
público, porque o erário não será capaz de arcar com o valor bilionário das
campanhas. Por isso, o financiamento público pode vir com um teto de
gastos. A distribuição dos recursos, que
pode ser igualitária, também limita as despesas. Marginalmente o ganho esperado com a doação
cresceria.
Na outra ponta do jogo, a do empresário, também há ganhos
em fazer a doação irregular. É ingênuo supor que para manter seus lucros com o
governo o mau empresário se tornaria mais competitivo, produtivo. A doação
permaneceria sendo vantajosa, e mais ainda se o financiamento público reduzir a
oferta de políticos que podem ser comprados, tornando o payoff da doação maior.
Resta analisar o outro componente do comportamento
estratégico dos jogadores: as perdas esperadas. Ao engajarem na prática ilegal,
o político e o empresário têm como perda a expectativa de punição, que por sua
vez é determinada pela probabilidade da ação ser descoberta e punida, e pelo
tamanho da pena. No caso do político, um componente adicional da perda esperada
é a punição do eleitor.
O problema é que o financiamento público por si não aumenta
a perda esperada, que só seria majorada com o fortalecimento das instituições
de fiscalização e controle, o endurecimento da legislação penal e a
conscientização do eleitor. A análise econômica evidencia que o financiamento
público aumenta os ganhos esperados de uma doação irregular e também não tem
qualquer efeito sob as perdas esperadas. Se os ganhos esperados são altos e as
perdas pequenas, as doações ocorrerão. Em economês, é o equilíbrio de Nash.
A mesma lógica um comportamento estratégico por um político
que visa a objetivos próprios pode ser ampliada para outras ideias da reforma
política, como a proibição da reeleição (a mãe de todas as corrupções, para
Joaquim Barbosa). Consoante com a teoria de political business cycles, a
proibição impediria o uso da máquina para fins eleitorais. Em tese.
Entretanto, o mau político que usaria a máquina para se
reeleger pode continuar usando-a para outros objetivos. A proibição o impede de
se candidatar ao mesmo cargo, mas não de participar das eleições. Nesse caso,
ele ainda dependeria da sua popularidade e apoio político, podendo contar com o
direcionamento do governo.
Cabe lembrar que a proibição da reeleição no Executivo já
existe no Brasil, depois de dois mandatos. Mesmo assim, foram frequentes casos
de prefeitos que buscaram um terceiro mandato em município vizinho, ou de
governadores que participam das eleições para o Legislativo.
Para manter seus interesses, o mau político pode ainda usar
um poste. Essa prática já é comum hoje: o lançamento de vice ou secretário de
governo como candidato, que sozinho não tem densidade eleitoral, cuja
plataforma eleitoral está associada à máquina, e escolhido pelo próprio
governante. Isso sugere uma baixa efetividade da mudança.
As medidas propostas no âmbito da reforma parecem partir da
premissa de que o criminoso não é culpado pela corrupção, mas vítima do sistema
que o corrompe. O que parece existir, porém, é um equilíbrio de seleção
adversa, em que a percepção da política como um lugar fértil para a corrupção e
hostil aos honestos atrai maus candidatos e repele os bons, alimentando um
ciclo vicioso.
Conforme a análise com a teoria econômica feita, para
quebrar o ciclo, é necessário aumentar a perda esperada das más práticas, de
modo que maus políticos e empresários sejam punidos pelas instituições e pelo
eleitor. Logo, vale mais o apoio ao pacote anticorrupção do Ministério Público
Federal do que a algumas das propostas da reforma política. Não se pode esperar
muito da reforma porque não há bala de prata para vencer a corrupção. Política
não é romance.
Fernando
B. Meneguin é Doutor em Economia. Mestre em Economia do Setor Público. Editor
do Brasil, Economia e Governo. Pedro Fernando Nery é Mestre em Economia pela
Universidade de Brasília – UnB.