O Brasil tem um
prefeito cassado a cada quatro dias. Essa foi a conclusão de um levantamento
feito pelo jornal Estado de Minas no último mês de julho de 2017, com base em
dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O principal motivo das cassações é
a improbidade administrativa, normalmente motivada pela rejeição de contas dos
eleitos, quando em exercício de mandatos anteriores. Ou seja: o indivíduo já
foi prefeito em alguma outra época da vida e anos depois, quando decide se
candidatar novamente, os órgãos de controle percebem algum problema contábil,
administrativo ou financeiro em seus processos de prestação de contas.
Normalmente são contas não aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado,
Tribunal de Contas da União e (com menos frequência) pela Câmara Municipal.
Pronto: o sujeito é 'ficha suja', improbo e está inelegível, gerando a cassação
e, muitas vezes, necessidade de novas eleições municípios.
Esse texto, no
entanto, não tem a intenção de 'chutar' esses 'cachorros mortos'. Não vou
discorrer aqui sobre os detalhes que levaram todos esses prefeitos e prefeitas
a verem seus mandatos cassados. Prefiro utilizar esse espaço para admitir uma
verdade incômoda: nem todo Prefeito que comete improbidade administrativa é um
criminoso corrupto. Não podemos nos precipitar nesse tipo de julgamento.
Conheço mais de uma dezena de seres humanos honestos que enfrentaram esse
problema. O emaranhado de instituições e legislação torna muito ingrata e
complexa a tarefa de ser Prefeito ou Prefeita no Brasil. Pressão legal e social
por responsabilidade fiscal, regras e obrigações constitucionais muito rígidas
que 'sufocam' os cofres municipais, um constante e crescente processo de
judicialização das políticas públicas que pressiona a máquina pública local,
dificuldade de controlar, sensibilizar e mobilizar todo o corpo de funcionários
na mesma direção política? são muitos os desafios extremamente negativos para
quem decide assumir o papel de ordenador de despesas em um governo municipal.
Passei os últimos
dois dias no Paraná, trabalhando com um município que viu seu exprefeito
sofrer, nesse sentido. Depois de muitos anos de história na política local,
findo o mandato, o sujeito viu seu patrimônio desaparecer e suas empresas
falirem, tudo em virtude dos processos judiciais que enfrentou por conta de seu
período como gestor municipal. Hoje ele deve 12 milhões de reais aos cofres
públicos e mora de favor como caseiro em uma igreja na cidade.
Nossa legislação,
nossos eleitores e nosso judiciário tratam muito mal quem decide entrar na
política. Vai-se do céu ao inferno em pouquíssimo tempo e junto com a limpidez
de sua imagem pública, muitas vezes vai junto a sua regularidade fiscal e sua
integridade pessoal. O ódio à política, vindo de todas essas direções também é
responsável por produzir o tipo de representação com a qual temos nos deparado.
Precisamos nos perguntar quem são os brasileiros que se interessam em adentrar
a política quando ela se torna esse misto de armadilha fiscal e desafio social
intransponível. Quem se sente atraído por um ambiente desse? Você se
candidataria a uma vaga como essa? Não parece exatamente o emprego dos sonhos,
não é?
Não enxerguem aqui,
por favor, qualquer esforço de diminuir os erros de quem realmente cometeu
improbidade administrativa, tampouco uma ode de admiração cega e irrestrita e
todo e qualquer ator político, meramente baseado na coragem e interesse de se
engajar. Mas será que parte importante da crise de representação e liderança
que sofremos não está de alguma forma relacionada ao ambiente pouco atraente
que a política se tornou para as pessoas? Será que parte dessas boas almas com
potencial de liderança não têm preferido migrar com sua vocação pública para
outras esferas, no terceiro setor ou em outras ações integradas à
responsabilidade social corporativa? Quando eles fazem esse movimento, quem é
que sobra para ocupar essas cadeiras?
Disse e repito:
chega de apenas chutar cachorro morto. Agora precisamos falar sobre esse
elefante na sala. Ele está aqui entre nós. E trata-se de um daqueles elefantes
que incomoda muita gente.
Eder Brito, em O
Estado de São Paulo
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