Por Naercio
Menezes Filho
O Brasil é um país marcado
historicamente por grandes desigualdades em várias dimensões. Entretanto, essas
desigualdades estão se reduzindo ao longo do tempo. Um livro lançado
recentemente ("Trajetórias das Desigualdades", organizado por Marta
Arretche) faz um excelente trabalho de documentação e análise da evolução
dessas desigualdades. A importância do livro está no uso de dados dos censos
demográficos dos últimos 50 anos, harmonizados e compatibilizados, para mostrar
como o país mudou nesse período.
Um ponto explorado em
alguns capítulos é o avanço no acesso à educação e sua importância para a
redução das desigualdades. O acesso à escola aumentou no Brasil nos últimos 50
anos, mesmo que num ritmo menor do que o desejado. A figura mostra que em 1960,
73% da população brasileira ainda não tinha completado o ensino fundamental 1
(antigo primário), ou seja, eram analfabetos funcionais. Somente 20% da
população adulta tinha completado o fundamental 1. Completar todo o ensino
fundamental (primário e ginásio) era um luxo que somente 2% da população
conseguia alcançar, mesma porcentagem que completava o ensino médio. O ensino
superior completo era restrito a menos de 1% da população adulta, ou seja,
cerca de 500 mil pessoas. Seus descendentes formam grande parte da elite hoje.
Ainda há bastante espaço para políticas
públicas que ajudem a reduzir as nossas desigualdades
Esse quadro educacional
contribuiu para explicar as nossas desigualdades em meados do século passado.
Por exemplo, até quase o final do século XX os analfabetos não podiam votar, o
que fazia com que uma parcela substancial da população não participasse da vida
política brasileira. Além disso, como o acesso à educação privilegiava os
homens brancos, a desigualdade entre homens e mulheres e entre brancos e negros
era elevada. Como existe forte relação entre escolaridade e fertilidade, o
número de filhos entre as mulheres analfabetas era bem maior do que entre as
universitárias, o que também contribuía para aumentar a desigualdade da renda
familiar.
Em termos do mercado de
trabalho, como resultado do acesso restrito à educação, os diferenciais de
salários entre pessoas com diferentes níveis educacionais eram bastante
elevados no Brasil, o que contribuía para a alta desigualdade de renda. Por
exemplo, em 1970 quem tinha ensino fundamental completo tinha uma renda quatro
vezes maior do que os analfabetos.
Com o aumento da parcela
da população que atingia esse nível, de 3% em 1960 para 20% em 2010, esse
diferencial de renda caiu para apenas 21% em 2010. Da mesma forma, o grande
aumento na parcela de pessoas com ensino médio completo, que atingiu 32% em
2010, fez o diferencial salarial associado a esse nível de ensino declinar de
63% em 2000 para 38% em 2010.
A queda dos diferenciais
salariais associados ao ensino médio, assim como o maior acesso dos filhos das
famílias mais pobres a esse nível de ensino foram fatores que contribuíram para
a redução na desigualdade de renda que ocorreu no Brasil entre 2000 e 2010.
Outro fator que contribuiu bastante foi o aumento contínuo do valor real do
salário mínimo. Assim, a maior parte da queda na desigualdade de renda ocorreu no
mercado de trabalho e não devido aos programas de transferências de renda.
Esses foram muito importantes para a redução da pobreza extrema, porém.
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O livro também mostra de
forma bastante abrangente como eram grandes as diferenças na cobertura de
serviços públicos, nas condições de habitação e nos indicadores de saúde entre
os municípios em 1960 e como essas desigualdades foram sendo paulatinamente
reduzidas nos últimos 50 anos. Além disso, o livro documenta e analisa as
grandes mudanças ocorridas nos padrões de migração, na demografia, na
religiosidade e o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho
brasileiro nesse período.
Entretanto, as
desigualdades persistem de forma bastante acentuada no Brasil em várias
dimensões. A taxa de acesso ao ensino superior ainda está predominantemente
restrita a brancos e o acesso dos negros ainda é concentrado em profissões de
menor prestígio. Além disso, os diferenciais de salário entre homens e mulheres
e entre brancos e negros persistem, mesmo após levarmos em conta as diferenças
de educação entre eles.
Assim, ainda há bastante
espaço para políticas públicas que ajudem a reduzir as nossas desigualdades
que, como mostra recente estudo do FMI, fazem com que o crescimento brasileiro
seja menor do que em países com maior igualdades de oportunidades.
Naercio Menezes Filho, professor
titular Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper,
é professor associado da FEAUSP, membro da Acadêmica Brasileira de Ciências e
escreve mensalmente às sextasfeiras. naercioamf@insper.edu.br